segunda-feira, 26 de maio de 2014

Parem a sessão! O filme está apreendido.

    Cine São João, em Santa Rita, sede do Cineclube Hitchcock.  
As reuniões do Cineclube Hitchcock funcionavam às sextas-feiras, pela manhã, na parte de trás do Cine São João, na cidade de Santa Rita, numa sala de primeiro andar, que havíamos criado. Era uma maneira de se discutir artes naqueles tempos de chumbo, mesmo sob desconfiança do meu pai.
Filmes de temática não provocativa ao regime, de conotação não política como “Morangos Silvestres”, do cineasta sueco Ingmar Bergman, ou mesmo de vanguarda, do francês Godard, tinham prioridade e podiam ser exibidos sem nenhum problema, apenas sob o registro prévio na Polícia Federal.
A partir de então, todos os filmes programados do nosso cineclube e dos cinemas da cidade e de todo o país tinham que passar pelo crivo da censura, para que os federais dissessem se podiam ou não ser mostrados ao público. Uma prática autoritária sempre repudiada, inclusive pelo meu pai, enquanto empresário exibidor, que sempre me advertia a não criar problemas junto à Censura, com o cineclube.
Mesmo assim, tentando burlar o sistema nós do cineclube resolvemos exibir, às escondidas, o filme de Glauber Rocha “Deus e o Diabo na Terra do Sol”. Nada de exposição de cartazes e fotografias do filme na sala do cinema, nenhuma divulgação prévia pelo jornalzinho da paróquia; nada. Tudo seria feito sem que ninguém soubesse da exibição do filme em questão, a não ser os integrantes do cineclube, que combinaram em reunião sigilo absoluto.
Era uma manhã ensolarada de domingo. Estávamos todos eufóricos e já acomodados na sala de projeção do cine São João. Nem bem havia iniciado a sessão, quando entram de repente dois policiais federais de mandado em punho, como autênticos nazistas fardados e de dedo em riste foram gritando:
Parem a sessão!
Um dos tais, de aparência truculenta indagou furiosamente:
Quem é o responsável por isso aqui?
Eu tremi nas bases. Meu pai não estava presente e quem quer que fosse o responsável, a julgar pelos recentes ocorridos de prisão e arbitrariedades, naquele momento jamais se acusaria. Não era hora para atitudes heroicas.
Pois bem, o filme está confiscado. – Sentenciaram e foram logo subindo a escadaria, que dava acesso à cabine de projeção, onde estava o operador Zé Alonso, a quem entregaram o papel dizendo para comparecer dia seguinte à Polícia Federal, em João Pessoa. Depois, juntaram as latas do filme num saco, levando-o embora, para nossa grande decepção.
A tentativa cultural do grupo tinha fracassado. Ainda surpresos com o que acabávamos de testemunhar, ficava então uma grave indagação: Quem havia realmente denunciado aquele programa aos federais? Esta foi uma pergunta que sempre ficou sem resposta...
 
ALEX SANTOS é Vice-Presidente da Academia Paraibana de Cinema, jornalista e cineasta. E-mails: alexjpb@yahool.com.br / contato@asprod.com.br