quinta-feira, 15 de março de 2012

“Hugo Cabret” - A real valorização do Cinema

Cena de "A Invenção de Hugo Cabret" de Scorsese

Dias atrás, no Cine Mirabeau, em companhia de minha família, assisti a “O Artista”, sobre o qual já fiz algumas considerações aqui mesmo no blog. Imediatamente procurei ver o outro filme também considerado importante, na entrega do Oscar deste ano. Alguma coisa me dizia ser aqueloutro mais importante que o filme de Michel Hazanavicius, que acabara de ver. E não deu outra... 

Extasiei-me com “A Invenção de Hugo Cabret”, obra fiel ao reconstituir uma cenografia de época, que somente um diretor como Martin Scorsese poderia conceber. Em minha poltrona, em casa, confortavelmente ao lado da esposa Lili, foram 126 minutos de prazer visual (em blu-ray) e emocional, degustando um bom vinho (rouge) francês e vendo uma Paris do início do século passado e que trazia toda a magia que o próprio cinema houve de produzir até hoje.

Entre os dois filmes, uma clara diferença no tratamento dado ao Cinema enquanto obra de referência daquela época. No filme do Michel, a interpretação caricata do personagem principal George Valentin, vivido pelo francês Jean Dujardin (Oscar de Melhor Ator de 2012), nos traz a sensação de uma reconstituição técnica de atuação, meramente mímica e teatral, em verdade, quando o cinema de então exigia. Até pela inexistência de “fala” e de outros requisitos de som. São ali reverenciados os astros e estrelas da época. Suas idiossincrasias, caprichos, crises nervosas e eloquências muito típicas do glamour de Hollywood. Tudo bem...

Em “Hugo”, não! É o Cinema que recebe toda a reverência e nostalgia verdadeiras, através de seus Elementos de Composição Dramática mais significativos: o Costume, a Cenografia, a Narrativa sublimada por uma ação tipicamente linear, convincente a um desfecho que deve ser próprio da arte-do-filme. Acrescente-se a tudo isso a Fotografia. Quiçá, uma das composições mais bem trabalhadas que tive oportunidade de ver, pela “cor ferrugem” que comumente retrata o envelhecimento das coisas resgatadas de épocas passadas. A cor trabalhada, em não sendo o usual preto&branco, tende a dizer bastante e verdadeiramente em um cinema de reconstituição de época, fatos e pessoas.

O filme de Scorsese conta estória de um órfão vivendo uma vida secreta nas entranhas de uma estação de trem em Paris. Hugo Cabret é interpretado por um garoto de nome de borboleta - Asa Butterfield, cuja atuação nos desperta a maior atenção. Para descobrir a chave de um mistério cultuado pelo seu pai, já falecido, o garoto recebe ajuda da neta do mal humorado dono de uma loja de brinquedos, vivido pelo excelente ator Ben Kingsley (“Gandy”). Este, já em idade avançada, guarda as frustrações de um grande sonho e um dos maiores segredos da vida parisiense do próprio cinema: a existência real do próprio Georges Méliès. Um dos pioneiros do Cinema Frances e mundial.

Simbólica e cinematograficamente, a marcação do espaço-tempo narrativo de “A Invenção de Hugo Cabret” tem como referência visual as grandes engrenagens dos relógios instalados na gare de Paris. Engrenagens das quais faz parte, realmente, a existência guardiã do próprio garoto Cabret. Trata-se de um filme encantador e de importância singular para a História do Cinema de todos os tempos.

ALEX SANTOS – Membro da Academia Paraibana de Cinema, professor e cineasta. E-mails: alexjpb@yahoo.com.br / contato@asprod.com.br

sábado, 3 de março de 2012

“O Artista” – Contraponto no próprio Cinema

"O Artista" Jean Dujardin e Bérénice Bejo
Nada é mais cinema que o próprio Cinema. À primeira vista, parece uma afirmação bastante óbvia, mas, de todo, não é. Nada mais singular do que o envolvimento visual nosso com uma arte cinética, que, não obstante de massa, caracteriza-se pelo individual encantamento que provoca nas pessoas, fazendo-se igualmente importante pela pantomima representativa de situações, pelo recurso gestual de suas figuras, de suas imagens, pelo seu pasmar estético, enfim.

Obviamente, existem particularidades na arte cinematográfica que merecem ser rigorosamente observadas. No caso específico de “O Artista”, como em outras produções que retratam a vida de Hollywood e suas estrelas (dentre muitos outros, lembro-me de “Bom Dia Babilônica” e “Chaplin”) um aspecto relevante deve ser levado em conta: a forma da abordagem sobre o “mito cinema”.

Ora, não devemos confundir o real e o imaginário hollywoodianos de quase uma centena de anos atrás, quando utilizados sob a saga e os contornos criativos da época, com mais uma saudosa reconstituição como esta, de caráter nitidamente pessoal do diretor Michel Hazanavicius. São transações produtivas diferentes, mesmo tendo sido utilizado, hoje, um recurso originário do próprio cinema e muito comum daquela fase inicial da arte: o filme “não falado”. 

Ainda sob esse aspecto, constatam-se situações totalmente diversas, entre o processo narrativo do filme de outrora e sua atual reconstituição. Porquanto, através da experiência de “O Artista”, somos compelidos a uma leitura diferenciada da narrativa, das quantas formas de “gags” utilizadas pelo cinema durante todos esses anos. Isso explicaria a razão pela qual o nosso viés de entendimento deve ser rigorosamente diverso sobre o que vimos agora e o que realmente foi realizado no passado.

Para uma compreensão do próprio Cinema enquanto Arte, uma característica básica jamais deve ser desprezada: o recurso narrativo no passado e a forma aprimorada de dramaturgia hoje impressa pelo cinema. Os filmes do passado eram construídos em blocos de situações, herança imediata do que conhecemos por “atos”, na arte teatral. Se nos detivermos mais cuidadosamente sobre os filmes de hoje, que buscam recriar aquela época encontraremos neles a unidade de começo-meio-fim numa forma, digamos, mais clara e direta.

Em “O Artista”, como em outras obras do gênero, sentimos a presença de um discurso linear. Simplesmente, porque estamos contando algo sobre a História do Cinema e suas Estrelas. Veja-se que o discurso narrativo do filme de Michel Hazanavicius não se fundamenta, apenas, no reconstituir das diversas ações e momentos criativos do “cinema mudo”, mas, sobretudo, na trajetória de um suposto ator George Valentin (vivido pelo ator francês Jean Dujardin, Oscar de Melhor Ator de 2012).

Nesse particular, entenda-se que o não aparente narcisismo predominante nas atitudes do personagem principal, diria, terá sido muito típico da época, entre as estrelas do cinema. Alguns outros inúmeros valores são mostrados, oportunamente, em “O Artista”. O que eu chamaria de “signos” introjetados na figura do próprio cinema. A doentia recusa do galã pela inovação do “filme falado”, fato que nos remete ao genial Charles Chaplin, para quem a arte deveria continuar divertindo apenas pela imagem. Não obstante tão extremada posição, terá sido ele um dos maiores compositores de músicas e trilhas sonoras para o cinema de todos os tempos. 

Outros símbolos bastante inerentes à arte cinematográfica são igualmente lembrados: a queda do mito de tantos “valentins” hollywoodianos, substituídos que foram pelo glamour de novas estrelas; o recurso visual por detrás da tela e a reação de desconforto do protagonista frente a sua condição de derrotado profissionalmente, todos esses são exemplos presentes no filme. Fato demonstrado numa das sequencias mais felizes construídas por Michael, contrapondo os ritmos narrativos entre um Valentin suicida, desenrolando bobinas de filmes, num acesso de loucura, depois incendiando tudo, e o desespero da jovem em desvairada corrida ao volante de um automóvel para o seu encontro com o amado, contemplando o que seria o tradicional “hep end”.

E aqui vai um dado importante, tecnologicamente falando. Nos meandros de sua narrativa, simbolicamente, o diretor fez questão de revelar ainda a real condição físico-química (celulóide incendiável) do material filmado (película 35mm), que era usada naquela época. Suporte posteriormente substituído pelo poliéster, por conseguinte, mais resistente ao fogo. Quem jamais esquece a cena do garoto e do projecionista na cabine em chamas no filme “Cinema Paradiso”? Por tudo que representa, “O Artista” é digno também do nosso respeito.

ALEX SANTOS - Membro da Academia Paraibana de Cinema, cineasta e professor.
E-mails: alexjpb@yahoo.com.br / contato@asprod.com.br