Professor Nivalson Miranda
Eu o conheci
no mesão da Sala de Leituras da Adufpb, no Centro de Vivência da UFPB, nas
costumeiras visitas matinais àquele ambiente de professores, antes ou depois de
cada sala de aula. De hábito, um cumprimento de Bom dia! Primeiro, para a nossa
abnegada Maria da Guia, sempre vigilante ao telefone e à portaria, não menos, a
quem entra e sai no recinto. Em seguida, a mesma saudação aos quantos se
encontram absortos na leitura de jornais e revistas, no interior da ampla sala
de reuniões.
Ainda sem
conhece-lo bem, via-o sempre mexendo em alfarrábios, rabiscos e desenhos, que
sempre conduzia dentro de uma pasta presa com elástico. De outras vezes,
confabulando com o também professor aposentado José Nilton, com quem sempre tive
relações de trabalho acadêmico e na produção de cinema e vídeo.
Numa dessas
vezes, fui apresentado a ele pelo amigo Nilton, que me dissera do interesse do seu
velho companheiro, em registrar um trabalho de brasões genealógicos e outras
estórias em filme. Desse contato, surgiu o meu prazer em conhece-lo. Expansivo,
bem humorado, sempre com um “causo” novo para contar, aquele ex-professor de
Física abordou-me como se já fôssemos íntimos havia anos. Gostei daquilo! Tempos
depois, confidenciei a Nilton a minha simpatia pelo amigo que acabara de
conhecer.
Com um
entusiasmo quase ingênuo, o novo amigo passou-me às mãos algumas folhas de
papel datilografado, dizendo ser o roteiro para um documentário que gostaria de
realizar. Curioso fiquei com a construção daquele emaranhado de vocábulos e
citações, que ele dizia ser um “roteiro”. Mas, tudo bem, já que se tratava de
proposta interessante e em defesa da Ecologia, que o então abismado professor intitulara
de “A Ninhada”.
A estória
traçava o perfil de uma família pobre, com um garoto de pouco mais de dez anos,
que residia na propriedade de um rico senhor de terras, numa região seca do
cariri paraibano. Por ordem do patrão, o pai do menino, “Seu” Biu, fora
orientado a tocar fogo na capoeira para o plantio de macaxeira e feijão. A
questão era que, para fazê-lo, aos olhos do filho, toda a flora e fauna teria
que ser devastada, para desespero da criança, que costumava subir nas árvores, brincar
com os passarinhos e animais rastejantes que habitavam próximo à sua casa. Para
o professor, na sua eloquente explanação, essa era a preocupante questão a ser
tratada em “A Ninhada”. A reprovação, silenciosa, do filho ao que o pai teria de
fazer no dia seguinte, queimando toda a extensão verde em derredor da casa em
que moravam.
Disse-lhe,
então: – Professor, vou estudar com
bastante cuidado o assunto e nos falamos já na próxima semana.
Para o
professor NIVALSON, autor daquela saga a ser documentada, o meu interesse pelo
seu “roteiro” fora sintomático. Dissera ele ao professor Nilton, que tinha assistido
às nossas conversas, quando retirei-me da sala da Adufpb.
Ato
contínuo, viajamos em equipe para Serra Branca, cariri paraibano, onde criamos
as locações adequadas para as gravações do vídeo. Resultado, de simples
documentário terá sido “A Ninhada” um misto de ficcional e documental, com
duração de doze minutos e ganhador do Prêmio de Melhor Curta-Metragem do V
FestCine Digital do Semiárido, em 2012, para a direção de Alexandre Menezes, da
AS Produções Cinema & Vídeo.
Esta semana,
através da própria Adufpb, tivemos a lastimável notícia do passamento do nosso
querido professor e amigo. Perde a Cultura, a Arte, a Heráldica, sobretudo, a
família do ditoso professor NIVALSON MIRANDA, a sua permanente alegria e sua
notória presença de espírito, especialmente nos debates que sempre promovia. Perde-se
um homem para quem a própria idade avançada jamais significou um óbice à
construção de algo sempre novo.
ALEX SANTOS - Professor e cineasta, Vice-presidente da Academia Paraibana de Cinema.
E-mails: alexjpb@yahoo.com.br / contato@asprod.com.br
Um comentário:
A Nivalson Miranda
* 01.02.1927 + 17.08.2013
Quantas terras revolvestes
quanta tinta preparastes
quantos cantos descobristes
quantos povos reclamastes...
quantas horas não perdestes
nos desenhos que fizestes
quantas roupas te vestiram
quantos laços, quantas vestes...
quantos sonhos derramastes
quantos tetos revestisses
com cinzéis remodelastes
quantos, quantos assistisses...
quantas glórias desenhastes
quantas armas investisses
quantos golpes desfraldastes
quantas sombras que não vistes...
quantos anos tu cumpristes
quantas mágoas abafastes
quantos séculos desejastes
quantos, quantos insistisses...
quanta dor tu nos legastes
nesta hora crua e triste
quanta falta nos fizestes
bem na hora que partistes...
quanto falta que te veja
novamente em teu sorriso
pois meus olhos se marejam
em fitar teu paraíso...
Vai em paz meu irmão
cede a terra aos viventes
vigiai vosso caminho
segue aos céus quão bendizente...
quantos anjos recebestes
quantas auras te vestiram
quantas nuvens percorrestes
quantas mãos te assistiram...
pois aqui na terra somos
teus irmãos em orfandade
cada qual em seus desejos
desejando a eternidade...
que a palavra te acompanhe
te envolva, te abrace
te liberte de teu manto
das sandálias te descalce...
te aconchegue em nova vida
e num corpo leve e pênsil
te devolva ao infinito
em um céu só de silêncio.
Marco di Aurélio
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