sábado, 3 de março de 2012

“O Artista” – Contraponto no próprio Cinema

"O Artista" Jean Dujardin e Bérénice Bejo
Nada é mais cinema que o próprio Cinema. À primeira vista, parece uma afirmação bastante óbvia, mas, de todo, não é. Nada mais singular do que o envolvimento visual nosso com uma arte cinética, que, não obstante de massa, caracteriza-se pelo individual encantamento que provoca nas pessoas, fazendo-se igualmente importante pela pantomima representativa de situações, pelo recurso gestual de suas figuras, de suas imagens, pelo seu pasmar estético, enfim.

Obviamente, existem particularidades na arte cinematográfica que merecem ser rigorosamente observadas. No caso específico de “O Artista”, como em outras produções que retratam a vida de Hollywood e suas estrelas (dentre muitos outros, lembro-me de “Bom Dia Babilônica” e “Chaplin”) um aspecto relevante deve ser levado em conta: a forma da abordagem sobre o “mito cinema”.

Ora, não devemos confundir o real e o imaginário hollywoodianos de quase uma centena de anos atrás, quando utilizados sob a saga e os contornos criativos da época, com mais uma saudosa reconstituição como esta, de caráter nitidamente pessoal do diretor Michel Hazanavicius. São transações produtivas diferentes, mesmo tendo sido utilizado, hoje, um recurso originário do próprio cinema e muito comum daquela fase inicial da arte: o filme “não falado”. 

Ainda sob esse aspecto, constatam-se situações totalmente diversas, entre o processo narrativo do filme de outrora e sua atual reconstituição. Porquanto, através da experiência de “O Artista”, somos compelidos a uma leitura diferenciada da narrativa, das quantas formas de “gags” utilizadas pelo cinema durante todos esses anos. Isso explicaria a razão pela qual o nosso viés de entendimento deve ser rigorosamente diverso sobre o que vimos agora e o que realmente foi realizado no passado.

Para uma compreensão do próprio Cinema enquanto Arte, uma característica básica jamais deve ser desprezada: o recurso narrativo no passado e a forma aprimorada de dramaturgia hoje impressa pelo cinema. Os filmes do passado eram construídos em blocos de situações, herança imediata do que conhecemos por “atos”, na arte teatral. Se nos detivermos mais cuidadosamente sobre os filmes de hoje, que buscam recriar aquela época encontraremos neles a unidade de começo-meio-fim numa forma, digamos, mais clara e direta.

Em “O Artista”, como em outras obras do gênero, sentimos a presença de um discurso linear. Simplesmente, porque estamos contando algo sobre a História do Cinema e suas Estrelas. Veja-se que o discurso narrativo do filme de Michel Hazanavicius não se fundamenta, apenas, no reconstituir das diversas ações e momentos criativos do “cinema mudo”, mas, sobretudo, na trajetória de um suposto ator George Valentin (vivido pelo ator francês Jean Dujardin, Oscar de Melhor Ator de 2012).

Nesse particular, entenda-se que o não aparente narcisismo predominante nas atitudes do personagem principal, diria, terá sido muito típico da época, entre as estrelas do cinema. Alguns outros inúmeros valores são mostrados, oportunamente, em “O Artista”. O que eu chamaria de “signos” introjetados na figura do próprio cinema. A doentia recusa do galã pela inovação do “filme falado”, fato que nos remete ao genial Charles Chaplin, para quem a arte deveria continuar divertindo apenas pela imagem. Não obstante tão extremada posição, terá sido ele um dos maiores compositores de músicas e trilhas sonoras para o cinema de todos os tempos. 

Outros símbolos bastante inerentes à arte cinematográfica são igualmente lembrados: a queda do mito de tantos “valentins” hollywoodianos, substituídos que foram pelo glamour de novas estrelas; o recurso visual por detrás da tela e a reação de desconforto do protagonista frente a sua condição de derrotado profissionalmente, todos esses são exemplos presentes no filme. Fato demonstrado numa das sequencias mais felizes construídas por Michael, contrapondo os ritmos narrativos entre um Valentin suicida, desenrolando bobinas de filmes, num acesso de loucura, depois incendiando tudo, e o desespero da jovem em desvairada corrida ao volante de um automóvel para o seu encontro com o amado, contemplando o que seria o tradicional “hep end”.

E aqui vai um dado importante, tecnologicamente falando. Nos meandros de sua narrativa, simbolicamente, o diretor fez questão de revelar ainda a real condição físico-química (celulóide incendiável) do material filmado (película 35mm), que era usada naquela época. Suporte posteriormente substituído pelo poliéster, por conseguinte, mais resistente ao fogo. Quem jamais esquece a cena do garoto e do projecionista na cabine em chamas no filme “Cinema Paradiso”? Por tudo que representa, “O Artista” é digno também do nosso respeito.

ALEX SANTOS - Membro da Academia Paraibana de Cinema, cineasta e professor.
E-mails: alexjpb@yahoo.com.br / contato@asprod.com.br

        


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