sábado, 18 de setembro de 2010

A hora e vez do cinema espiritual



Cena do filme "Nosso Lar"
Há trinta anos, quando começara a escrever o meu primeiro livro – “Cinema & Revisionismo” –, fiquei curioso com uma expressão do amigo Wills Leal, também em seu livro “Cinema e Província”, sobre a existência nos anos sessenta de um suposto movimento paraibano de produção cinematográfica. Segundo ele, havia por parte de membros da intelectualidade de então um desejo enorme de se fazer cinema, mas, sem as mínimas condições materiais, o que ele chamaria de “cinema espiritual”. Um tipo de cinema que ficava, apenas, na ideia e jamais saía do papel.

Anos depois, entrevistando-o para o meu filme “Cinema Inacabado” – uma justa homenagem a João Córdula do Cinema Educativo da Paraíba –, fiz questão de levar o próprio Wills ao local onde funcionava a Churrascaria Bambu, na Lagoa, para que ele falasse sobre o assunto. Um tipo de “cinema” que se fazia naquela época de múltiplos sonhos cinéfilos, depois que saíamos das redações dos jornais e das sessões de Cinema de Arte.

Pois bem. Esta semana, alertado por minha filha Mônica através de e-mail, soube de uma enquete que o Ministério da Cultura está promovendo: Uma votação pública para a sugestão do filme brasileiro a ser indicado para concorrer ao prêmio de Melhor Filme Estrangeiro no Oscar 2011. Que me conste, isso é inédito, por se tratar de uma ação cultural de governo verdadeiramente democrática e de respeito ao gosto popular. Mais ainda, quando se sabe ser este um dos países mais espiritualistas do mundo...

O mais interessante vem agora, quando constatamos que a preferência popular é pelo filme dirigido por Wagner de Assis, “Nosso Lar”, inspirado no livro de Chico Xavier, já assistido por mais de 2 milhões de espectadores em todo o País, em pouco menos de três semanas. O que é mais curioso, ainda, é o fato de os três primeiros filmes colocados na enquete (de mais de 20 filmes nacionais) tratarem do tema da espiritualidade. Pela ordem da pesquisa, que se encerra neste final de semana, a opção popular é a seguinte: “Nosso Lar” com mais de 70% de indicação; “Chico Xavier” com 9% e “Os Famosos e os Duendes da Morte” com 6%.

Ao contrário do “cinema espiritual” de que argumentara Wills Leal, um cinema feito apenas de ideias e de arroubos etílicos próprios às noitadas na “Bambu”, nos anos 60, este de hoje se concretiza real e espiritualmente. Menos (apenas) pelos lampejos visionários que tivemos naqueles tempos de sonhos doirados do Cinema Paraibano; agora, muito mais por um modismo mercantilista, que é próprio do cinema enquanto Arte e Indústria. Cinema esse então ilustrador de uma “espiritualidade cênica”, que tem sido interpretada, em verdade, como uma espécie de ópio por boa parte do nosso povo.

Quanto à “espiritualidade” contida numa das sequências do nosso “ANTOMARCHI” e a indicação de “Nosso Lar” ao Oscar” hollywoodiano... são uma outra estória.

ALEX SANTOS da Academia Paraibana de Cinema, professor e cineasta. E-mails: alexjpb@yahoo.com.br / contato@asprod.com.br

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