A manifestação ao culto da nordestinidade brasileira, buscando todos seus valores humanos, culturais e políticos, sob uma visão eminentemente sócio-antropológica, não terá sido um mérito, apenas, dos nossos grandes historiadores ou de uma bem sucedida historiografia nacional. Houve quem se debruçasse sobre esse assunto, ainda de forma bastante séria, em outros segmentos culturais, e não só através de formas literárias, mas procurando compilar sua singular importância também em imagens.
Este, sem dúvida, é o caso do Cinema, guardião que tem sido da nossa própria História, e não apenas regional, mas de tudo que representam as multiplicidades de todos os brasis que hoje tão bem conhecemos. Sua cenografia, seus ritos e mitos têm constituído o grande filão de uma produção audiovisual cada vez mais extensa, significativa e acreditada, dentro e fora do País. E com que riqueza de detalhes tem sido retratada a história dos povos brasileiros, suas nuanças de cor, de raça, de credo...
Esta semana, como que presente de início de ano, dentre outras obras que recebi de amigos, a do historiador José Octávio de Arruda Mello. Importante texto seu sobre “A Questão da Terra em Canudos – Do Revisionismo de Euclides ao de José Calazans”. Fruto de encontros, discussões e visitas que fez recentemente à Bahia. Aspectos da vida de Antonio Conselheiro, sua conhecida saga em Canudos, são trazidos à baila sob uma ótica mais politicamente contextualizada, o que tem sido a característica do nosso historiador paraibano maior.
O que me surpreendeu nesse seu trabalho foi a presença do Cinema como suporte da História, a partir da revisão de figuras singulares retratadas em “Os Sertões” de Euclides da Cunha. Presença essa endossada por afirmações que fiz junto ao autor sobre Antonio Conselheiro, o beato que virou profeta nos sertões baianos, tão bem retratado nos filmes do cineasta Glauber Rocha, sobretudo, no célebre “Deus e o Diabo na Terra do Sol”. Este que considero o maior de todos os ícones da nossa cinematografia regionalista sobre a nordestinidade brasileira.
Vários pontos de significação histórica estão contidos no trabalho Zé Octávio, como sempre tradutor incansável das nossas “sagas e resistências”, em suas mais distintas conexões sociais e políticas. Contudo, quando referenda o cinema em seus relatos, de certa forma nos premia também em curiosidade. No caso em particular, comparando “a Tróia de Taipa do Conselheiro” à situação do quilombo do Talhado retratado em “Aruanda”, ficaria patente na expressão documental de Linduarte Noronha: “Talhado existe geograficamente, inexiste no âmbito das instituições”.
Perseguindo algumas comparações sobre os conflitos em Canudos e as lutas de 1930, na Paraíba, Zé Octávio invoca outros autores paraibanos, a exemplo de João Lélis de Luna Freire, em seu “A Campanha de Princesa”(1994), que “adaptou as formulações euclideanas à realidade paraibana. Canudos transmuta-se, então, na Serra de Teixeira, por onde principiou a chamada Guerra Civil de Princesa, entre março e julho de 30.”
Sublinhando, ainda, a participação do Cinema na retratação do fato histórico, o autor lembra que, “o Nordeste não corresponde às firulas de Chicó e João Grilo em O Auto da Compadecida. O verdadeiro Nordeste, trágico antes que cômico, e épico ao invés de picaresco, tal qual visualizado pelo ‘phatos’ euclideano, expressou-se na cinematografia de Glauber Rocha.” E conclui afirmando: “Ao enfatizar a feição euclideana do personagem Antonio das Mortes – misto de jagunço e justiceiro – em ‘Deus e Diabo na Terra do Sol’, o crítico de cinema Alex Santos ressaltou a seqüência do sermão do Beato Conselheiro nessa película.”
No que me toca, em verdade, fico honrado com a citação do meu nome em mais uma de suas “amplas sínteses” historiográficas, em particular, sobre a nossa nordestinidade e a nossa Paraíba.
ALEX SANTOS – Mestre em Comunicação Social pela Universidade de Brasília, jornalista e cineasta.
E-mails: alexjpb@yahoo.com.br / contato@asprod.com.br
CONVITE: O historiador José Octávio de Arruda Mello convida a todos ao pré- lançamento do seu livro sobre “Canudos”, no próximo dia 02 de agosto (domingo), às 10 horas da manhã, no Cine Mirabeau, à Av. Fernando Luiz Henrique, 230, sentido Bessa-Manaíra (antes do cruzamento com o Retão). O evento é parceria cultural entre o autor, o professor Mirabeau Dias e Academia de Cinema.
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