Cine São João, em Santa Rita, sede do Cineclube Hitchcock.
As
reuniões do Cineclube Hitchcock funcionavam
às sextas-feiras, pela manhã, na parte de trás do Cine São João, na cidade de
Santa Rita, numa sala de primeiro andar, que havíamos criado. Era uma maneira
de se discutir artes naqueles tempos de chumbo, mesmo sob desconfiança do meu
pai.
Filmes
de temática não provocativa ao regime, de conotação não política como “Morangos
Silvestres”, do cineasta sueco Ingmar Bergman, ou mesmo de vanguarda, do
francês Godard, tinham prioridade e podiam ser exibidos sem nenhum problema,
apenas sob o registro prévio na Polícia Federal.
A
partir de então, todos os filmes programados do nosso cineclube e dos cinemas da cidade e
de todo o país tinham que passar pelo crivo da censura, para que os federais
dissessem se podiam ou não ser mostrados ao público. Uma prática autoritária
sempre repudiada, inclusive pelo meu pai, enquanto empresário exibidor, que
sempre me advertia a não criar problemas junto à Censura, com o cineclube.
Mesmo
assim, tentando burlar o sistema nós do cineclube resolvemos exibir, às
escondidas, o filme de Glauber Rocha “Deus e o Diabo na Terra do Sol”. Nada de
exposição de cartazes e fotografias do filme na sala do cinema, nenhuma
divulgação prévia pelo jornalzinho da paróquia; nada. Tudo seria feito sem que
ninguém soubesse da exibição do filme em questão, a não ser os integrantes do
cineclube, que combinaram em reunião sigilo absoluto.
Era
uma manhã ensolarada de domingo. Estávamos todos eufóricos e já acomodados na
sala de projeção do cine São João. Nem bem havia iniciado a sessão, quando
entram de repente dois policiais federais de mandado em punho, como autênticos
nazistas fardados e de dedo em riste foram gritando:
–
Parem a sessão!
Um
dos tais, de aparência truculenta indagou furiosamente:
–
Quem é o responsável por isso aqui?
Eu
tremi nas bases. Meu pai não estava presente e quem quer que fosse o
responsável, a julgar pelos recentes ocorridos de prisão e arbitrariedades,
naquele momento jamais se acusaria. Não era hora para atitudes heroicas.
–
Pois bem, o filme está confiscado. –
Sentenciaram e foram logo subindo a escadaria, que dava acesso à cabine de
projeção, onde estava o operador Zé Alonso, a quem entregaram o papel dizendo
para comparecer dia seguinte à Polícia Federal, em João Pessoa. Depois,
juntaram as latas do filme num saco, levando-o embora, para nossa grande decepção.
A
tentativa cultural do grupo tinha fracassado. Ainda surpresos com o que acabávamos
de testemunhar, ficava então uma grave indagação: Quem havia realmente
denunciado aquele programa aos federais? Esta foi uma pergunta que sempre ficou
sem resposta...
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